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Foto do escritorCarlos Frederico de Almeida Rodrigues

DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE


DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE

Uma nova perspectiva da relação médico-paciente?


Princípio da Autonomia como guia da relação.


A necessidade de incluir o paciente nas atividades de atenção à saúde é uma discussão que perpassa a história da Medicina. Desde o tempo da Escola Médica de Hipócrates já existe menção à participação ativa do paciente no tratamento. No primeiro livro da Epidemia, Hipócrates propôs aos médicos: “O médico deve ser capaz de relatar os antecedentes, conhecer o presente e prever o futuro – deve mediar estas coisas e ter dois objetos especiais em perspectiva, em relação às doenças, quais sejam, fazer o bem ou não fazer o mal. A prática consiste em três coisas: a doença, o paciente e o médico. O médico é servo da técnica, e o paciente deve combater a doença juntamente com o médico” (1).


Outro marco relevante na participação dos pacientes foi o voto do juiz Benjamin Cardozo no caso Schloendorff, em 1914. A proposta de que “todo ser humano de idade adulta e com plena consciência, tem o direito de decidir o que pode ser feito no seu próprio corpo” introduz a noção de autonomia na perspectiva do paciente (2).


O reconhecimento da participação ativa do paciente nas áreas de assistência e de pesquisa foram discutidos e propostos ao longo da década de 1970. A discussão de aspectos bioéticos associados a estas duas áreas foi proposta pelo Relatório Belmont (3) e pelo livro Princípios de Ética Biomédica (4). O Princípio do Respeito às Pessoas, contido no Relatório Belmont, e o Princípio da Autonomia, proposto por Beauchamp e Childress, caracterizam o dever de considerar a auto-determinação dos participantes de pesquisa e dos pacientes no processo de tomada de decisão. A principal consequência foi no processo de consentimento informado, onde o pesquisador ou o médico informam o participante ou o paciente sobre os procedimentos, riscos e benefícios associados, e estes últimos manifestam a sua autorização ou não de forma voluntária.


Na década de 1990, duas propostas de regulamentação de uma nova perspectiva surgiram paralelamente, uma na Europa e outra no Estados Unidos. Nos Estados Unidos foi a aprovação da Lei de Auto-determinação do Paciente, em 1990 (5). Na Europa, em 1997, foi proposta a Convenção de Oviedo sobre Direitos Humanos e Biomedicina (6), que já vinha sendo discutida desde 1990. Em ambos documentos o paciente poderia antecipar a sua decisão sobre procedimentos assistenciais. O Conselho da Europa reiterou esta posição na Resolução 1859 de janeiro de 2012.


A participação do paciente no processo de tomada de decisões sobre seu tratamento também chegou ao Brasil. O Código Civil, de 2002, estabeleceu, em seu artigo 15, que: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” (7). Da mesma forma, o novo Código de Ética Médica do Conselho Federal de Medicina, aprovado em 2009, também estabelece em muitos de seus artigos a necessidade de reconhecer a autonomia do paciente (8). Este processo teve continuidade com a proposta de garantir a manifestação dos pacientes, por meio das Diretivas Antecipadas de Vontade, na Resolução 1955/2012, do Conselho Federal de Medicina (9).


Diretivas antecipadas no Brasil


Os Considerandos da referida Resolução 1955/2012 (10) apresentam a competência legal do Conselho Federal de Medicina em estabelecer normas para os profissionais médicos e justifica esta proposta com base nos princípios contidos no próprio Código de Ética Médica de 2009 (9). Um de seus fundamentos é o reconhecimento da autonomia do paciente.


Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade


Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicarse, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.


§ 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.


§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.


§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.


§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.


§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.


Da autonomia à corresponsabilidade


Reconhecer a autonomia do paciente não é destituir a autonomia do médico, mas sim reconhecer a alteridade presente nesta relação, onde as decisões devem ser compartilhadas. Da responsabilidade inividual, nesta perspectiva de compartilhamento, surge a noção de corresponsabilidade (11). Não há uma submissão, mas sim o mútuo reconhecimento de uma co-presença ética na relação médico-paciente. Em suma, a Resolução CFM 1955/2012 apresenta uma posição clara para o processo de tomada de decisão em situações em que o paciente esteja incapacitado de participar ativamente neste processo, garantindo a possibilidade de que seus desejos possam, ainda assim, ser levados em consideração.



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Referências:

1- Lloyd GER. Hippocratic Writings. London: Penguin Books; 1978. p. 380.

2 -Cardozo B. Dissenting opinion in Schloendorff v. Society of New York Hospital. [Internet]. 1914. Available from: http://www. bioetica.ufrgs.br/schloend.htm

3- USGovernment. The Belmont Report: Ethical Guidelines for the Protection of Human Subjects. Washington: DHEW Publications (OS) 78-0012; 1978.

4- Beauchamp TL, Childress JF. Principles of Biomedical Ethics. 1st ed. New York: Oxford; 1978.

5- US Government. Federal Patient Self Determination Act Sec. 4751. Washington DC; 1990 p. 216–8.

6- Michaud J. Explanatory Report To The Convention For The Protection Of Human Rights And Dignity Of The Human Being With Regard To The Application Of Biology And Medicine : Convention On Human Rights And Biomedicine. Strasbourg; 1997 p. 36.

7- Brasil. Código Civil. Lei 10.406/2002. 2002.

8- Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica (Resolução CFM No 1931/2009). Brasilia: CFM; 2010. p. 1–100.

9- Conselho Federal de Medicina (CFM). RESOLUÇÃO CFM no 1.995/2012 Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diario Oficial da União. 2012;Seção I(170):269–70.

10- Conselho Federal de Medicina (CFM). RESOLUÇÃO CFM no 1.995/2012 Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diario Oficial da União. 2012;Seção I(170):269–70.

11- Clotet, J. Reconhecimento e institucionalização da autonomia do paciente: um estudo da the patient self-determination act. Bioética 1993:1(2):157-163.

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