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Foto do escritorCarlos Frederico de Almeida Rodrigues

EUGENIA

Atualizado: 13 de out. de 2021

Texto base para análise bioética da Eugenia.

Breve histórico da Eugenia

Ao longo da história, há diversos registros de povos gregos, celtas e fueginos (terra do fogo) que eliminavam as pessoas mal-formadas ou muito doentes, sendo que o termo ‘eugenia’ foi criado, modernamente, por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como:“O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”.

Galton publicou, em 1865, o livro Hereditary Talent and Genius em que defende a ideia de que a inteligência é predominantemente herdada e não fruto da ação ambiental. Parte dessas conclusões ele obteve estudando 177 biografias, muitas de sua própria família.

Galton era parente de Charles Darwin (1809-1882). Erasmus Darwin era avô de ambos, porém as avós eram diferentes: Darwin descendeu da primeira esposa de Erasmus, e Galton da segunda. Darwin havia publicado A Origem das Espécies em 1858.

No seu livro, Galton propunha que:

[...] as forças cegas da seleção natural, como agente propulsor do progresso, devem ser substituídas por uma seleção consciente e os homens devem usar todos os conhecimentos adquiridos pelo estudo e o processo da evolução nos tempos passados, a fim de promover o progresso físico e moral no futuro.

O argentino José Ingenieros publicou, em 1900, um texto, posteriormente divulgado como um livro, denominado La simulación en la lucha por la vida. Nesse texto, incluem-se algumas considerações eugênicas, tais como:

Por acaso, os homens do futuro, educando seus sentimentos dentro de uma moral que reflita os verdadeiros interesses da espécie, possam tender até uma medicina superior, seletiva; o cálculo sereno desvaneceria uma falsa educação sentimental, que contribui para a conservação dos degenerados, com sérios prejuízos para a espécie.

Em 1908, foi fundada a "Eugenics Society" em Londres, primeira organização a defender essas ideias de forma organizada e ostensiva. Um de seus líderes era Leonard Darwin (1850-1943), oitavo dos dez filhos de Charles Darwin. Ele era militar e engenheiro. Em vários países europeus (Alemanha, França, Dinamarca, Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Bélgica, Suíça e União Soviética, dentre outros) e americanos (Estados Unidos, Brasil, Argentina e Peru) proliferaram sociedades semelhantes. A Sociedade Paulista de Eugenia foi a primeira no Brasil, tendo sido fundada em 1918. (OLIVEIRA, 1997).

Na edição de 1920, Ingenieros ressaltou, em nota de rodapé, que as suas opiniões haviam sido confirmadas pela rápida difusão das ideias eugenistas em diferentes partes do mundo.

O 1º. Congresso Brasileiro de Eugenismo foi realizado no Rio de Janeiro, em 1929. Um dos temas abordado foi "O Problema Eugênico da Migração". O Boletim de Eugenismo propunha a exclusão de todas as imigrações não-brancas. Em março de 1931, foi criada a Comissão Central de Eugenismo, sendo o seu presidente Renato Kehl e o Prof. Belisário Pena um dos membros da diretoria. Os objetivos dessa comissão eram os seguintes:

1) manter o interesse do estudo de questões eugenistas no País;

2) difundir o ideal de regeneração física, psíquica e moral do homem;

3) prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter eugenista que sejam dignas de consideração.

Em vários países, foram propostas políticas de "higiene ou profilaxia social", com o intuito de impedir a procriação de pessoas portadoras de doenças tidas como hereditárias e até mesmo de eliminar os portadores de problemas físicos ou mentais incapacitantes.

É claro que houve vozes contra a política eugenista. Por exemplo, Jiménez de Asúa defendeu a ideia de que as políticas alemã, italiana e espanhola nessa área não eram eugenistas, mas sim "racismo" oriundo do nacional-socialismo alemão. Vale lembrar que as ideias alemãs se originaram do trabalho do Conde de Gobineau "Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas" publicado em 1854, antes, portanto, das ideias darwinistas terem sido divulgadas e do termo Eugenia ter sido criado. O Conde de Gobineau esteve no Brasil, onde coletou dados. Nesse seu ensaio, referiu a proposta da superioridade da "raça ariana", posteriormente levada ao extremo pelos teóricos do nazismo Günther e Rosenberg nos anos de 1920 a 1937. Outro autor alemão, Gauch, afirmava que havia menos diferenças anatômicas e histológicas entre o homem e os animais, do que as verificadas entre um nórdico (ariano) e as demais "raças". Essa afirmação acabou sendo objeto de legislação em 1935, através das Leis de Nuremberg, que proibiam o casamento e o contato sexual de alemães com judeus, o casamento de pessoas com transtornos mentais, doenças contagiosas ou hereditárias. Para casar, era preciso obter um certificado de saúde. Em 1933, já haviam sido publicadas as leis que propunham a esterilização de pessoas com problemas hereditários e a castração dos delinquentes sexuais.

Jiménez de Asúa, que discordava de algumas práticas racistas, propunha que a eugenia deveria se ocupar de três grandes grupos de problemas: a obtenção de uma descendência saudável (profilaxia), a consecução de matrimônios eugênicos (realização) e a paternidade e maternidade consciente (perfeição).

· A profilaxia seria obtida através de ações como: combate às doenças venéreas, à prostituição e pela caracterização do delito de contágio venéreo.

· A realização ocorreria através de união de casais eugênicos e do reconhecimento médico pré-matrimonial.

· A perfeição proporia meios para que fosse possível a limitação da natalidade: os meios anticoncepcionais, a esterilização, o aborto e a eutanásia.

Muitas das ideias acerca do desenvolvimento das modernas técnicas de diagnóstico genético, do debate sobre os temas do aborto, da eutanásia e da repercussão da epidemia de AIDS são discutidas com base em pressupostos eugênicos, sem que este referencial seja explicitamente referido.

Bioética e genética

As doenças genéticas são doenças incuráveis, sendo que algumas têm tratamento. Em vários casos existem genes que aumentam os fatores de risco para outras doenças. Entre os adultos com doenças crônicas, 10% possuem algum problema de origem genética, e 33% das internações pediátricas têm problemas genéticos associados. Em 1966, eram conhecidas 564 doenças genéticas, em 1992 já eram 3307 doenças caracterizadas. No início do século XX, 3% das mortes perinatais eram devidas a causas genéticas, já na década de 1990 a cifra era de 50%. Com as informações produzidas pelo Projeto Genoma Humano, o número de doenças caracterizadas como tendo componente genético tende a aumentar.

Essas doenças trazem consigo alguns dilemas éticos:

· É eticamente adequado diagnosticar doenças sem cura?

· É eticamente adequado testar indivíduos portadores assintomáticos, com risco apenas para a prole?

· É eticamente adequado realizar esses testes em pacientes com possibilidade de doenças degenerativas de início tardio?

A alternativa mais promissora para o tratamento dessas doenças é a terapia gênica, a partir de técnicas de Engenharia Genética.

A terapia gênica somática só é utilizada para tratar doenças genéticas recessivas em células de diferentes tecidos não relacionados à produção de gametas. A sua característica básica é a de provocar uma alteração no DNA do portador da patologia, através da utilização de um vetor, que pode ser um retrovírus ou um adenovírus. Os problemas operacionais dessa técnica são: o tempo de vida da célula hospedeira; a baixa expressão do gene; o controle da expressão gênica; a dificuldade de atingir o tecido-alvo; e o seu potencial oncogênico.

A terapia gênica germinativa baseia-se na alteração de células reprodutivas (óvulos, espermatozoides ou células precursoras). Além das questões éticas, essa terapia apresenta inúmeros problemas operacionais: alta taxa de mortalidade; desenvolvimento de tumores e malformações; alteração de embriões potencialmente normais e a irreversibilidade das ações.

Algumas diretrizes podem ser propostas no sentido de orientar as ações na área da genética humana:

· o aconselhamento genético deve ser o mais não-diretivo possível;

· toda assistência genética, incluindo rastreamento, aconselhamento e testagem, deve ser voluntária, com exceção do rastreamento de recém-nascidos para condições nas quais um tratamento precoce e disponível possa apresentar benefícios;

· a confidencialidade das informações genéticas deve ser mantida, exceto quando houver um alto risco de um sério dano aos membros da família em risco genético e a informação possa ser utilizada para evitar esse dano;

· a privacidade de um indivíduo em particular deve ser protegida de terceiros institucionais, tais como empregadores, seguradoras, escolas, entidades comerciais e órgãos governamentais;

· o diagnóstico pré-natal deve ser feito somente por razões relevantes para a saúde do feto e somente para detectar condições genéticas e malformações fetais.

De acordo com as novas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos (Resolução 196/96), todas as pesquisas que envolvem genética humana, realizadas no Brasil, devem ser aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa e pelo Comitê de Biossegurança de cada instituição e submetidos, posteriormente, à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Em 1998, a Organização Mundial da Saúde propôs Diretrizes Internacionais para Aspectos Éticos em Genética Médica e Serviços de Genética com o objetivo de uniformizar os critérios mínimos de adequação ética para a utilização de métodos diagnósticos e de tratamento. Esse documento inclui questões que envolvem o aconselhamento genético, “screening” genético, consentimento informado para testagem genética, testagem de suscetibilidade e de indivíduos pré-sintomáticos, confidencialidade e revelação de informações, diagnóstico pré-natal, armazenamento em bancos de DNA, e as relações da genética médica e reprodução.

O mito da genética

A sociedade contemporânea, que depende dos meios de comunicação de massa para obter informações científicas, torna-se vulnerável a euforias sobre novas técnicas relacionadas à medicina, sobretudo técnicas genéticas e a angustiante relação entre genes e doenças.

A quantidade aberrante de informações técnicas levanta questões atuais sobre o que é saúde e o que é doença. Por tradição e cultura, cada sociedade sabia e transmitia conceitos sobre o que é estar doente ou sadio. Nesse contexto, estavam presentes as noções de corpo, a identificação dos órgãos como espaços de doenças e as relações destes com sinais e sintomas de percepção popular, o que muito favorecia a compreensão sobre procedimentos de prevenção e de tratamento, ao nível científico ou não. Esse conjunto de saberes vem sofrendo rupturas pelo constante noticiário de doenças oriundas de partes misteriosas e invisíveis, porém, concretamente presentes dentro do corpo: os genes. Estes passaram a ocupar a mente das pessoas como ameaças ocultas que provocarão as mais variadas formas de doenças, admitidas como inevitáveis. Assim o tradicional conceito de ser ou estar sadio fragmentou-se diante de uma suposta “nova realidade”, ter, dentro de si, doenças programadas para um dia aparecerem. Como afirma John Spitz (American journal of medical genetics), mesmo nos países de “Primeiro Mundo”, a pouca formação dos médicos sobre a realidade biológica entre os genes e as doenças a eles relacionadas fazem com que perguntas fundamentais dos pacientes fiquem sem respostas. Além disso, a dificuldade de nossa sociedade em compreender fenômenos probabilísticos faz com que a ideiaa prevalente (embora errada) seja a de que existe uma relação determinística entre genes e doenças. Confunde-se probabilidade com certeza remota, provocando-se sofrimento e angústias injustificadas.

Do ponto de vista ético, o prejuízo advindo dessas situações tem raízes na ausência de responsabilidade moral quando da oferta/busca de formação médica, de modo que essa seja competente e adequada aos problemas atuais. E se, antes, o sofrimento psicológico dos pacientes era consequência da constatação da presença da doença, hoje, angústias e sofrimentos transformam as pessoas sadias em pré-doentes de uma doença que talvez nunca venham a ter. Assim, confundiram-se os tradicionais conceitos de ‘doente’ e ‘sadio’ e esmaeceram-se os limites entre ser ou não um doente. Existe uma espécie de terrorismo genético e uma frágil capacitação de profissionais médicos para tranquilizar seus clientes. Compete aos responsáveis pela formação médica enfrentar esse novo desafio. Será eticamente aceitável que preocupações e sofrimentos decorrentes de informações imprecisas veiculadas através de meios de comunicação de massa não encontrem nos consultórios médicos explicações seguras e competentes? John Spitz recomenda a chamada “alfabetização biológica”, o mínimo necessário de conhecimento em genética.

O principal conceito a ser considerado é o de que não somos determinados por nossos genes, mas influenciados por eles. Tanto para qualquer característica como para doenças, os genes agem em complexa interação com o ambiente. Em outras palavras, não existe determinismo genético. Até mesmo nas doenças primariamente dependentes da presença de genes, estes são necessários, porém, não suficientes, para causá-las. A genética clássica apresenta dois fenômenos fundamentais na relação entre os genes e seus efeitos: “penetrância” e “expressividade”. Ser portador de um gene relacionado a determinada doença não significa a certeza de vir a tê-la: o gene pode jamais se manifestar, isto é, não apresentar “penetrância”. E, em se manifestando, poderá fazê-lo com intensidade ou “expressividade” variável. Ambos são fenômenos biológicos imprevisíveis – variam de pessoa para pessoa, dentro da mesma família, de pais para filhos – e dependem de interações com os demais genes do organismo, do ambiente no qual cada organismo (pessoa) se desenvolve e vive. Esse conjunto de interações é específico para cada pessoa. Para cada gene, existe, sim, uma gama de possíveis manifestações chamada “norma de reação”. Consequentemente, cada gene possui várias alternativas de manifestação. A amplitude destas depende da variabilidade ambiental. Assim, é a existência de ambientes favoráveis à doença que promove sua manifestação. Não é o gene que, independentemente do ambiente, determina a doença. O termo apropriado é “predisposição” e não “determinação”.

Se a relação entre genes e doenças reconhecidamente hereditárias não é uma relação de certeza mas sim, uma relação de probabilidade, imaginemos, por exemplo, a relação entre genes e cânceres. Os cânceres resultam de uma diversidade de causas ambientais em interações complexas com o organismo da pessoa. Desta forma, a relação entre genes e cânceres sempre será uma relação de probabilidades e nunca de certeza. Por exemplo, portadoras do gene BRCA 1 têm 85% de chance de desenvolverem câncer de mama ou ovário. Isso significa 25% de probabilidade de nunca desenvolver. Finalmente, na relação entre genes que herdamos e as doenças a eles relacionadas, existe uma realidade mais abrangente e que inclui a todos nós, sem exceção. A espécie humana, assim com as demais, tem sua evolução genética assegurada pela existência de genes mutantes que aumentam a diversidade biológica exposta à ação da seleção natural. Do ponto de vista estritamente genético, não existem genes bons nem maus, existem, sim, genes diferentes; em função do ambiente é que se podem ter resultantes boas ou ruins. Por exemplo, o gene da hemoglobina S, quando em dose dupla (homozigoto), está associado ao desenvolvimento de uma doença grave chamada ‘anemia de células falciformes’. Esse mesmo gene, quando em doses simples (heterozigoto), protege seus portadores contra formas graves de doença malárica (em regiões endêmicas da África, os portadores são protegidos da morte). Para que esta proteção funcione, a natureza nos proveu, e continua provendo-nos, de genes mutantes. Logo, a ideia de existirem pessoas “geneticamente normais” é utópica, pois todos somos portadores de genes mutantes. Quando um deles é identificado em certa família, a diferença desta para as demais é a de que nela existe um gene mutante que se manifesta clinicamente; as outras possuem genes mutantes sem manifestação clínica. Tudo isso nos leva a concluir que, do ponto de vista genético, somos produto da mesma matéria biológica. Independentemente da etnia, condição social, etc., nossos genes são semelhantes: nem bons nem maus em sua essência, mas responsáveis por resultantes boas ou ruins à medida que interagem com a diversidade do ambiente específico a cada um de nós.

O desenvolvimento tecnológico em genética levanta ainda outras importantes questões éticas. Uma vez compreendidos os processos biológicos e genéticos da concepção, por exemplo, rapidamente adquiriu-se seu controle em humanos. Atualmente, é possível ter-se poder quase absoluto sobre a reprodução humana: reprodução planejada; seleção por sexo; triagem e seleção por qualidade; reprodução sem sexo; sexo sem reprodução; e até, pelo menos para ovelhas e ratos, reprodução restrita ao sexo feminino, isto é, reprodução sem contribuição do sexo masculino. Assim, a possibilidade de alterar definitivamente o D.N.A. das pessoas, para fins de tratamento e/ou embelezamento, está às portas da realidade. Já se convive com filhos das diversas formas de reprodução assistida (bebês de proveta), porém, ainda não houve tempo suficiente para uma avaliação do ponto de vista científico, moral e ético dessa nova forma de fazer pessoas.

A realidade atual é a da ciência moderna que viabiliza formas de reprodução humana tecnicamente assistidas e dos avanços da biologia molecular e da genética que tornam possível a triagem humana para descarte dos imperfeitos. Os nascidos pós-triagem virão a ter conhecimento e consciência de sua aceitação condicional? Terão, agora, os filhos triados e selecionados os mesmos direitos em relação a seus próprios pais? A exigência dos pais por filhos perfeitos e sadios não deverá encontrar a recíproca de exigência partindo de seus próprios filhos? O que fazer com os pais cujo padrão de saúde física e mental não mais satisfaz as exigências dos filhos? Será possível submetê-los a “check-up” e descartá-los conforme os resultados?

Do ponto de vista dos direitos humanos e da responsabilidade moral, a tecnologia da reprodução assistida e da triagem genética rompeu a interface do amor incondicional na relação pais-filhos/filhos-pais. Ao condicionar-se o amor à exclusão de certas doenças, sacrifica-se também o amor. Agora, só o caminhar da própria humanidade poderá reconhecer se “os sinos dobram” também por filhos vivos do amor morto.


“Com modificação genética em bebês, China criou uma nova estirpe de humanos”


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