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Foto do escritorCarlos Frederico de Almeida Rodrigues

Modelos de Bioética

As diversas abordagens dos diferentes modelos de Bioética

MODELOS BIOÉTICOS

Em virtude dos inúmeros pensadores que se debruçaram sobre a Bioética, influenciados pelas mais diversas escolas filosóficas e amparados por múltiplas crenças, sistemas políticos, ideologias e outras influências, torna-se necessária uma revisão dos principais troncos de abordagens da Bioética, o que pretendemos realizar de forma sucinta neste capítulo.

Modelo de casuística

Os autores básicos desse modelo são: Albert Jonsen e Stephen Toulmin, que publicaram a obra: The abuse of casuistry: a history of moral reasoning. (Berkeley: University of California Press, 1988).

Eles utilizam como referência histórica correntes de pensamentos vigentes já na Grécia clássica, sobretudo, a noção aristotélica de ciência e ética.

O principal elemento desse modelo é o estabelecimento de ‘casos paradigmáticos’, a partir dos quais são feitas analogias e comparações com novos casos que se apresentam. É uma proposta que utiliza uma analogia em relação ao raciocínio prevalente nas cortes de justiça norte-americana e inglesa, que fazem uso de citações de casos pregressos como fonte de jurisprudência. Vale salientar que as ‘sentenças judiciais’ nesses países têm um forte embasamento filosófico e moral, constituindo-se em documentos que transcendem ao caso em si.

A grande contribuição desse modelo foi a de permitir exemplificar com casos reais situações anteriormente propostas apenas de forma teórica. A casuística também trouxe à discussão a importância da analogia e do julgamento prático.

A maior crítica ao modelo tem sido a dificuldade de adequar os casos tidos como paradigmáticos às diferentes culturas e/ou aos períodos históricos diversos. A própria seleção de casos paradigmáticos poderia ter um forte componente ideológico (hegemônico).[1]

Modelo autonomista

O autor básico desse modelo é Tristam Engelhardt, que publicou a obra: The Foundations of Bioethics. (New York: Oxford, 1986), traduzida para o português sob o título: Fundamentos da Bioética. (São Paulo: Loyola, 1998).

O modelo utiliza como referência o Liberalismo norte-americano, que propõe a defesa dos direitos e propriedades do indivíduo (embasado pela filosofia de John Locke). Inclui nesse conceito de propriedade o próprio corpo do indivíduo. Trata-se de uma proposta individualista.

A maior crítica realizada em relação ao modelo autonomista é a de que ele poderia permitir a possibilidade de comercialização de órgãos e o estabelecimento de contratos em vida para a utilização pós-morte do corpo do indivíduo. Outra crítica importante é a de que esse tipo de abordagem impediria a construção de uma relação Ética, pois o individualismo implícito à autonomia, impediria que estranhos morais aproximassem-se para construir uma nova relação, haveria sempre uma barreira – a da Liberdade – entre ambos.

Modelo coerentista

Seu autor básico é John Arras, que publicou a obra: Getting down the cases: the moral revival of casuistry in Bioethics. (Journal of Medicine and Philosophy. n. 16, p. 29-51, 1991).

Este modelo possui como referência histórica os modelos do Principialismo e da Casuística. Propõe a utilização conjunta dos modelos baseados em princípios e em casos. É uma proposta de integração entre os métodos dedutivo e indutivo, que surgiu na aplicação prática da Bioética. Neste modelo, não há uma prioridade entre as duas abordagens que se integram, por isso a denominação “coerentista”.

Possui como embasamento filosófico o pensamento de John Rawls (A Theory of Justice. Cambridge: HUP,1971), que propôs a utilização de um equilíbrio reflexo na abordagem de situações reais, onde tanto os princípios quanto os casos paradigmáticos pregressos deveriam ser utilizados no raciocínio acerca da sua possível justificação ou solução. Trata-se de uma proposta individualista.

A maior crítica a essa proposta tem sido a de que não se trataria de fato de um modelo de Bioética, mas sim, de uma abordagem eclética para casos reais.

Modelo contratualista

Seu autor básico é Robert Veatch, que publicou: A Theory of Medical Ethics. (New York: Basic, 1981).

Este modelo propõe uma nova perspectiva nas relações entre médico, paciente e sociedade. A sua maior contribuição foi a de propor um repensar na forma de relacionamento médico-paciente, rompendo com a tradição ocidental paternalista, oriunda da escola hipocrática. No modelo contratualista, o médico mantém a responsabilidade pelas decisões técnicas, embasando-se na sua competência profissional. Ao paciente cabe tomar as decisões de acordo com o seu estilo de vida, seus valores morais e pessoais. O processo de tomada de decisão deve ocorrer em um clima de troca de informações e negociação. Esta caracteriza-se por possibilitar que todos os envolvidos tenham vantagens no processo.

Este modelo estabelece uma nova forma de relação entre o médico e seu paciente, entre o médico e a sociedade e entre médico-paciente e a sociedade.

Trata-se de uma proposta individualista, com uma inserção da pessoa na sociedade, de maneira ativa.

A principal crítica a esta proposta é a de que ela não tem, de acordo com alguns autores, todos os requisitos teóricos necessários para se constituir em um modelo explicativo propriamente dito.

Modelo contemporâneo do Direito natural

Seu autor básico é John Finnis, que publicou a obra: Natural Law and Natural Rights. (Oxford: Oxford, 1980).

Sua referência histórica se dá com o pensamento de Hugo de Groot (De Jure Belli ad Pacis. Oxford: Clarendon, 1925) e, John Locke (Two treatises of governement. London: Penguin, 1968).

Este modelo é uma proposta de abordagem dentro da Teoria Ética baseada em direitos das pessoas. Baseia-se na existência de bens fundamentais e finais,conhecimento, vida estética, vida lúdica, razão prática, religiosidade, amizade sem uma organização hierárquica.

É uma proposta individualista, com uma inserção da pessoa na sociedade.

A principal crítica a essa proposta é de que ela não constituiria, de acordo com alguns autores, todos os requisitos teóricos necessários para se constituir em um modelo explicativo propriamente dito. Não fica igualmente claro o motivo da seleção dos bens e por que outros não foram incluídos?

Modelo de princípios

Os autores básicos dessa proposta são Tom Beauchamps e James Childress, que publicaram a obra: The Principles of Biomedical Ethics. (New York: Oxford,1994).

Sua referência filosófica é o pensamento de Willian Frankena (Ética. Rio de Janeiro: Zahar, 1975) e o Consequencialismo e Utilitarismo anglo-americano.

Sua proposta se baseia na caracterização de quatro princípios fundamentais que servem de base para o agir humano: beneficência; não-maleficência; justiça e autonomia. Todos considerados como prima facie. Trata-se do chamado ‘mantra do Instituto Kennedy de Bioética’.

É uma proposta individualista e dedutiva, na qual partimos de princípios fixos que podem ser aplicados para todos os casos.

A principal crítica ao modelo principialista é a de que este estabelece, segundo Maria do Céu Patrão Neves em seu artigo A Fundamentação Antropológica da Bioética, não uma proposta de Ética, mas sim uma moral, pois elenca normas para um agir adequado.

Modelo da virtude

Seus autores básicos são Edmund Pellegrino e David Thomasma, que publicaram a obra: For the patient’s good: the restoration of beneficience in health care. (New York: Oxford, 1988).

Sua fundamentação filosófica se com base no pensamento de Aristóteles e na tradição grega clássica.

Sua proposta é de que a Virtude é um traço do caráter que é valorizado socialmente. Uma virtude moral é um traço que tem valor moral associado. A Virtude, tem origem na Grécia com a palavra Arete, que também pode ser traduzida como ‘excelência’. Foi traduzida para o latim como virtus, que é a sua raiz em português. Vale salientar que nas culturas orientais a noção de virtude surgiu no século X a.C. como a de ‘capacidade de realizar ou oferecer vida’.

O pensamento de Aristóteles nos diz que Virtude é uma disposição adquirida de fazer o bem. Segundo Joaquim Clotet, é a forma de agir que enobrece a pessoa, que a aperfeiçoa. O contrário é o vício, que degrada ou destrói a pessoa. De acordo com Aristóteles, as virtudes se aperfeiçoam com o hábito (ARISTÓTELES, 1992).

Sócrates propunha que: “Tudo é conhecimento, inclusive a justiça, a temperança e a coragem – o que tende a demonstrar que certamente é possível ensinar a virtude” (SHATTUCK, 1998).

Voltaire, em uma carta a Frederico, o Grande, em 1737, escreveu: “A virtude, o estudo e a alegria são três irmãos que não devem ser separados”.

As principais virtudes listadas por André Comte-Sponville (COMTE-SPONVILLE, 1997) são estas: polidez, fidelidade, temperança, coragem, justiça, generosidade, compaixão, misericórdia, gratidão, humildade, simplicidade, tolerância, pureza, doçura, boa-fé, humor e amor.

Trata-se de uma proposta individualista, e a maior crítica que se pode fazer a ela é a de ser muito difícil, segundo diversos autores, desenvolver virtudes em pessoas com desenvolvimento psicológico-moral já avançado, como os profissionais de saúde por exemplo. Immanuel Kant dizia que as virtudes se aprendem no colo da mãe. Comte-Sponville acredita que as virtudes podem ser ensinadas principalmente através de modelos de identificação adequados.

Modelo de cuidado

Seus autores básicos são Carol Gilligan, Anette Baier e Nel Noddings, que publicaram as seguintes obras, respectivamente: In a Different Voice. (Harvard: HUP, 1982), traduzida para o português com o título: Uma Voz Diferente. (Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992); They need for more than Justice. Journal Philosophy, Quebec, 1987. v. 13, p.41-56, 1987; Caring: A feminine Approach to Ethics and Moral Education. (Harvard: HUP, 1984).

Sua referência histórica baseia-se na tradição de estudos sobre a psicologia do desenvolvimento das justificativas morais. Baseia-se nas ideias de Jean Piaget e de Lawrence Kohlberg, e critica-as.

As autoras propõem que existe uma diferença fundamental entre o raciocínio moral masculino e o feminino. As mulheres, de modo geral, baseiam o seu raciocínio moral na noção de Cuidado (care) enquanto os homens o fazem na de Justiça (aspectos legalistas). Esse modelo permite identificar inúmeras características diferenciadoras, acerca inclusive do ponto de vista do julgamento moral, são elas:

a- homens – moral da justiça: concordância, igualdade, pensamento, egoísmo, teoria e o contrário de justiça seria opressão.

b- mulheres – moral do cuidado: compreensão, vínculo, sentimento, altruísmo, prática e contrário de cuidado seria abandono.

Noddings (NODDINGS, 1982) chega a propor que o cuidado se basta, que ele deve ser a essência de tudo, em suas palavras: “A noção de cuidado é tudo que é necessário para a ética de enfermagem do cuidado. Sendo que as enfermeiras cuidam, não há necessidade de se preocupar com as ideias tradicionais de imparcialidade e justiça”.

É uma proposta individualista, mas que insere o indivíduo na sociedade.

A maior crítica a esse modelo foi feita por Beauchamp e Childress[2]. Acreditam eles que esta proposta teórica é incompleta, por apenas dar algumas novas contribuições, sem constituir plenamente um novo modelo explicativo. Apesar de ser uma proposta feminista, algumas feministas, especialmente Susan Sherwin, em sua obra: No Longer Patient: Feminist Ethics and Health Care. (Philadelphia: Temple University Press, 1992). rejeitam esse modelo por ele reforçar o papel histórico de autos-sacrifício das mulheres e permitir apenas uma visão parcial da realidade.

Outras críticas surgiram, sobretudo, no que tange aos aspectos transculturais e à caracterização de sociedades ‘masculinas’ e ‘femininas’, características que impedem a adaptação deste modelo para todas as culturas.

Modelo personalista

Seus principais autores são: Karl Otto Appel e Emannuel Levinas, que publicaram, respectivamente, as obras: Transformation der Philosophie e L’humanisme de l’autre homme (disponível em português pela publicação da editora Vozes).

Esse modelo utiliza como referência histórico-filosófica a Fenomenologia e o Existencialismo e propõe a valorização da Alteridade (E. Levinas: o Outro é anterior ao Eu), da Relação (Appel: Ética da razão comunicativa) e da Singularidade e Universalidade do ser humano.

Uma de suas contribuições mais importantes foi a de propor uma formal discussão sobre o papel do Outro nas justificativas para uma tomada de decisão. Introduziu formalmente os ‘terceiros’ como parte fundamental e primeira desse processo.

Trata-se de uma proposta focada na sociedade. De acordo com alguns autores, essa proposta não possui todos os requisitos teóricos necessários para se constituir em um modelo explicativo propriamente dito.

Modelo ternário

O autor principal desse modelo é Diego Gracia Guillen, que publicou a obra Orientamenti e tendenze della bioética spagnola. (Pádua, 1990).

Este modelo utiliza como referência histórica o Principialismo e a Casuística e tem como proposta básica, a exemplo do modelo Coerentista, a utilização conjunta dos modelos baseados em princípios e casos. A novidade seria a introdução de um terceiro elemento, que o autor chama de ‘obrigações morais’. Esse componente introduz uma perspectiva de complexidade ao modelo, permitindo a inserção da incerteza como elemento.

O modelo ternário, na visão de Bellino (1998), é um modelo para análise de problemas morais em Bioética Clínica. A sua proposta divide essa análise em três elementos distintos:

1 – Movimento universal: interpretação de problemas com base nos deveres prima facie – princípios, que se dividem em primários (não-maleficência e justiça) e secundários (beneficência e autonomia).

2 – Movimento particular: análise do caso em si – situações peculiares.

3 – Movimento contigente: tomada de decisão com base nas obrigações morais. Introduz a incerteza.

Trata-se de uma proposta individualista, que introduz alguns componentes sociais.

A separação dos princípios considerados prima facie em primários e secundários contradiz o próprio modelo: já que se são prima facie, não poderiam ser hierarquizados.


Modelo bioética e complexidade

Possui como referência histórica o Principialismo, a Casuística, o pensamento de Edgar Morin, Ilya Prigogine e a Bioética profunda de Van Rensselaer Potter.

Um texto que pode ser usado como referência é o do professor Goldim: Bioética: Origens e Complexidade (2006).

A proposta básica do modelo, realizada pelo professor José Roberto Goldim em 2002 com base na definição de Bioética profunda de Potter, busca uma aproximação dialógica dos referenciais teóricos, como o Principialismo, os Direitos Humanos, as Virtudes e a Alteridade, entre outros, com os casos paradigmáticos e os pressupostos da teoria da complexidade – Edgar Morin, Ilya Prigogine e Ética da Razão Argumentativa de Habermas.

Em sua abordagem, leva em consideração fatos (delimitação da situação real), circunstâncias (diferentes aspectos morais, legais, religiosos, sociais, econômicos, culturais, psicológicos, biológicos, assistenciais e científicos, dentre outros), cenários (alternativas e consequências que orientam a tomada de decisão) e referenciais teóricos (princípios, direitos humanos, virtudes e alteridade).

Este modelo pretende fornecer uma função integradora e sincrônica de todo o processo de tomada de decisão bioética.

A principal crítica ao modelo é a de que não seria um ‘modelo’ mas sim uma síntese das várias propostas anteriores.

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