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Foto do escritorCarlos Frederico de Almeida Rodrigues

É Ético utilizar recém-falecidos para aprender procedimentos?




É Ético o uso do recém-cadáver no aprendizado médico?

É consenso que a prática médica necessita uma curva de aprendizado e desenvolvimento de habilidades motoras e psíquicas, como isso se dá ao longo da história da medicina?  As “ soluções” encontradas variam desde a utilização de hospitais de caridade ou universitários (públicos em sua maioria), mas que possuem como característica o atendimento da população carente. Imbuída aqui a ideia de “ treinar” em uma população desfavorecida socialmente. Porém, cada vez mais os pacientes atendidos no SUS são reconhecidos como sujeitos morais e cidadãos7, observando-se a ótica do cuidado  e da integralidade, tendo como alicerce o artigo 198 da Constituição brasileira.

A medicina, enquanto ciência, necessita teoria, porém, como arte, necessita prática e, como dar possibilidade desse aprendizado prático? Isso, sem dúvida, é um capítulo a parte da aprendizagem médica. Não mais se discute a necessidade de preceptores, porém, pouco se fala sobre as primeiras pessoas que são submetidos aos primeiros procedimentos de quem está aprendendo. Uma investigação conduzida na década de 90 encontrou uma incidência de 18% de traumas orais quando da realização de entubação endotraqueal por indivíduos em treinamento. Talvez o maior exemplo da necessidade de reflexão seja o uso de corpos recém-falecidos na aprendizagem médica Esta prática não só é muito frequente nos relatos dos estudantes sobre o comportamento de seus colegas, como pouco admitida como prática pessoal. Não é exclusiva do Brasil e ocorre disseminadamente em diversos locais do mundo Não restam dúvidas que muitos médicos aprenderam dessa maneira a realizar procedimentos invasivos. Mas há discussão? O que pensam os médicos e, mais importante ainda, o que pensa a população?  Uma pesquisa realizada, em 1998, por Tachakra, demonstra o desejo das pessoas de saberem sobre a realização de tais manobras e procedimentos e ainda de serem consultadas sobre o fato, devendo os procedimentos serem realizados de forma rápida e respeitosa com o recém-morto.  Fica claro que a existência dessa prática se dá pela necessidade que o médico saiba realizar alguns procedimentos que em caso de emergência salvem a vida do paciente e o aprendizado em paciente vivo não precisa de maior detalhamento para se entenda o risco e, teoricamente, o aprendizado em cadáver não traria riscos adicionais ao recém-falecido, porém, o que diria a família ao perceber danos adicionais ao corpo do seu ente querido que foram realizados sem seu consentimento e sem necessidade? Há alguma regulamentação para tais casos?

Não encontramos nenhum tipo de parecer ou norma ao pesquisarmos no CFM ou no código de Ética Médica, porém, o código penal tipifica crime de desrespeito aos mortos. A lei que destina cadáveres para fins científicos é clara em pedir 30 dias de falecimento para tal.

Assim ficamos com a interdição do código penal e religiosa, bastam para impedir? Uma forma de solucionar seria a adoção de práticas de diretrizes antecipadas , como no caso de não reanimação e também da doação de órgãos? Pois pedir para a família, já enlutada, uma autorização para tal procedimento não seria aumentar o sofrimento? Outra solução é o incremento da tecnologia, onde podemos ter modelos cada vez mais reais para o treinamento do futuro profissional.

 

Embora, como procuramos demonstrar ao longo do texto, seja razoável que se defenda a adoção da obrigatoriedade de obtenção do consentimento formal da família do paciente que foi a óbito e que se estabeleça uma distinção entre os procedimentos passíveis de serem praticados no recém-cadáver àqueles que não levem à mutilação, outros pontos ainda restam sem resposta.  Manequins são caros, todas as escolas médicas podem adquirir? O que sabemos é que esconder tais práticas pode ser mais prejudicial do que benéfico, necessitamos discutir.

 

1. Machado MH. Os médicos e sua prática profissional: as metamorfoses de uma profissão [tese]. Rio de Janeiro: IUPERJ; 1996.

2. Brasil. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Resolução CNE/ CES n. 4, Brasília (DF), 7 de novembro, 1-6; 2001.

3. Marins JJN. Os cenários de aprendizagem e o processo do cuidado em saúde. In: Marins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC. Educação médica em transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica. 2004.

4. Caponi S. Da compaixão à solidariedade: uma genealogia da assistência médica. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2000. p.47-61.

5. Rego STA. A formação ética do médico: saindo da adolescência com a vida (dos outros) nas mãos. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz; 2003.

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